JUSTINE NO CADAFALSO
JUSTINE NO CADAFALSO
JUSTINE – Então me concedem dizer as últimas palavras? Agradeço-vos de todo o coração. A minha vida, senhores, sempre esteve nas suas mãos. O meu corpo sempre esteve a seu serviço. Que me importa se o que querem agora é apertar o meu pescoço até que eu morra. Já podiam tê-lo feito antes, se assim o quisessem, não é mesmo? E não iam, para isso, precisar de qualquer motivo. Mas não pensem que, desse modo, vão poder se livrar de mim. Pertenço a uma família inumerável onde todos são monstros. Eles estão em toda parte. Mas vocês não podem matar a todos nós, não é mesmo? Quem lhes haveria de vestir e dar de comer e amamentar e ouvir as suas lamúrias? Como iam poder se sentir distintos sem a nossa presença horrenda que confirma a sua superioridade? Pessoas como eu sempre viveram a um passo da forca. Basta um movimento em falso para que ela nos alcance. Não me surpreende que neste momento eu esteja aqui. Os olhos dos senhores estão por toda parte mas, quem dentre o senhores me viu matar o pequeno William? Vamos, falem! E de que adianta o ouro e o poder e o olhar onipresente que julgam ter se não puderam impedir a morte de um anjo? Seus filhos da puta, vocês sabem que, assim como a doce criança cruelmente assassinada, eu também sou inocente e se me matam é por soberba apenas. Foram incapazes, incapazes, estão me ouvindo? De encontrar o verdadeiro culpado. Mas, não podem admitir que são frágeis. Isso, nunca! Precisam sempre encontrar um bode expiatório para esquecer a própria impotência. Se a colheita vai mal, a culpa é da nossa preguiça. Se perdem a guerra, a culpa é da nossa falta de coragem. Se sentem medo e insegurança, é porque não podem confiar em nós. E onde em nós existe inteligência, os senhores veem apenas astúcia. Se em nós existe bondade, os senhores veem apenas interesse. Se ousamos sonhar, os senhores veem apenas desvario e estupidez. E nunca nos deixam em paz, querem nos impedir de gozar e de sorrir, estão sempre a nos dizer o que fazer, o que vestir, o que comer, quando comer, quando dormir, quando parir, a hora de chegar, a hora de partir. Haverá um dia, senhores, em que não haverá mais forcas porque outros monstros como eu terão já matado todos os carrascos. E as mãos ociosas dos senhores não vão se prestar a um serviço sujo como este, não é mesmo? Sim, um dia não haverá mais forcas nem carrascos. Que esse dia venha logo é a esperança que me resta e que não morrerá comigo. Que esse tempo chegue antes mesmo que a minha alma encontre o seu último refúgio é o meu último desejo. Vamos, covardes, agora abram os olhos, e vejam o final da sua obra. Quando, enforcada, os meus intestinos explodirem e o meu corpo expulsar os meus últimos excrementos é a vocês, senhores, que os dedico. Lambuzem-se neles, sintam o seu cheiro, enfiem a matéria podre guela abaixo, pois quem sabe assim conhecerão ao menos uma vez o sabor da injustiça. Vermes imundos, cedo ou tarde, vocês hão de pagar por isso. Vamos, meu carrasco, coragem, o que está esperando? (Pausa) O que está esperando?
O carrasco aciona a alavanca que abre o cadafalso.
FIM
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